Código Penal da Vida Futura
11º —
A expiação varia segundo a natureza e gravidade da
falta, podendo,
portanto, a mesma falta determinar expia-
ções diversas,
conforme as circunstâncias, atenuantes ou
agravantes, em que for
cometida.
12º —
Não há regra absoluta nem uniforme quanto à natu-
reza e duração do
castigo: — a única lei geral é que toda falta terá punição, e terá recompensa
todo ato meritório,
segundo
o seu valor.
13º —
A duração do castigo depende da melhoria do
Espí-
rito culpado.
Nenhuma condenação por
tempo determinado lhe é
prescrita. O que Deus
exige por termo de sofrimentos é um
melhoramento sério,
efetivo, sincero, de volta ao bem.
Deste modo o Espírito
é sempre o árbitro da própria
sorte, podendo
prolongar os sofrimentos pela pertinácia no
mal, ou suavizá-los e
anulá-los pela prática do bem.
Uma condenação por tempo
predeterminado teria o
duplo inconveniente de
continuar o martírio do Espírito re-
negado, ou de
libertá-lo do sofrimento quando ainda per-
manecesse no mal. Ora,
Deus, que é justo, só pune o mal
enquanto
existe, e deixa de o punir
quando
não existe mais.
por outra, o mal
moral, sendo por si mesmo causa de sofri-
mento, fará este durar
enquanto subsistir aquele, ou dimi-
nuirá de intensidade à
medida que ele decresça.
14º —
Dependendo da melhoria do Espírito a duração do
castigo, o culpado que
jamais melhorasse sofreria sempre,
e, para ele, a pena
seria eterna.
15º —
Uma condição inerente à inferioridade dos Espíritos
é não lobrigarem o
termo da provação, acreditando-a eter-
na, como eterno lhes
parece deva ser um tal castigo.
1
Vede cap. VI, nº 25, citação de Ezequiel.
2
Perpétuo é sinônimo de eterno. Diz-se o limite das neves perpé-
tuas;
o eterno gelo dos pólos; também se diz o secretário perpétuo
16º —
O arrependimento, conquanto seja o primeiro passo
para a regeneração,
não basta por si só; são precisas a expiação e a reparação.
Arrependimento, expiação
e reparação constituem, portanto, as três condições necessárias para apagar os
traços
de uma falta e suas
conseqüências. O arrependimento
suaviza os travos da
expiação, abrindo pela esperança o
caminho da
reabilitação; só a reparação, contudo, pode anu-
lar o efeito
destruindo-lhe a causa. Do contrário, o perdão
seria uma graça, não
uma anulação.
17º —
O arrependimento pode dar-se por toda parte e em
qualquer tempo; se for
tarde, porém, o culpado sofre por
mais tempo.
Até que os últimos
vestígios da falta desapareçam, a
expiação consiste nos
sofrimentos físicos e morais que lhe
são conseqüentes, seja
na vida atual, seja na vida espiritual
após a morte, ou ainda
em nova existência corporal.
A reparação consiste
em fazer o bem àqueles a quem se
havia feito o mal.
Quem não repara os seus erros numa existên-
cia, por fraqueza ou
má vontade, achar-se-á numa exis-
tência ulterior em
contacto com as mesmas pessoas que de
si tiverem queixas, e
em condições voluntariamente esco-
lhidas, de modo a
demonstrar-lhes reconhecimento e fazer-lhes tanto bem quanto mal lhes tenha
feito.
Nem todas as faltas
acarretam prejuízo direto e efetivo; em tais
casos a reparação se
opera, fazendo-se o que se deveria
fazer e foi descurado;
cumprindo os deveres desprezados,
as missões não
preenchidas; praticando o bem em com-
pensação ao mal
praticado, isto é, tornando-se humilde se
tem sido orgulhoso,
amável se foi austero, caridoso
se tem sido egoísta,
benigno se tem sido perverso, labo-
rioso se tem sido
ocioso, útil se tem sido inútil, frugal
se tem sido
intemperante, trocando em suma por bons
os maus exemplos
perpetrados. E desse modo progride o
Espírito,
aproveitando-se do próprio passado.
A necessidade da reparação é um princípio de
rigorosa justiça, que
se
pode considerar verdadeira lei de reabilitação moral dos Espíri-
tos.
Entretanto, essa doutrina religião alguma ainda a proclamou.
Algumas
pessoas repelem-na porque acham mais cômodo o poder
quitarem-se
das más ações por um simples arrependimento, que
não
custa mais que palavras, por meio de algumas fórmulas; con-
tudo,
crendo-se, assim, quites, verão mais tarde se isso lhes basta-
va.
Nós poderíamos perguntar se esse princípio não é consagrado
pela
lei humana, e se a justiça divina pode ser inferior à dos ho-
mens?
E mais, se essas leis se dariam por desafrontadas desde que
o
indivíduo que as transgredisse, por abuso de confiança, se limi-
tasse
a dizer que as respeita infinitamente.
Por
que hão de vacilar tais pessoas perante uma obrigação que
todo
homem honesto se impõe como dever, segundo o grau de suas
forças?
Quando
esta perspectiva de reparação for inculcada na crença
das
massas, será um outro freio aos seus desmandos, e bem mais
poderoso
que o inferno e respectivas penas eternas, visto como
interessa
à vida em sua plena atualidade, podendo o homem com-
preender
a procedência das circunstâncias que a tornam penosa,
ou
a sua verdadeira situação.
18º —
Os Espíritos imperfeitos são excluídos dos mundos
felizes, cuja harmonia
perturbariam. Ficam nos mundos
inferiores a expiarem
as suas faltas pelas tribulações da
vida, e purificando-se
das suas imperfeições até que mere-
çam a encarnação em
mundos mais elevados, mais adian-
tados moral e
fisicamente. Se pode conceber um lugar
circunscrito de
castigo, tal lugar é, sem dúvida, nesses
mundos de expiação, em
torno dos quais pululam Espíri-
tos imperfeitos,
desencarnados à espera de novas existên-
cias que lhes permitam
reparar o mal, auxiliando-os no
progresso.
19º —
Como o Espírito tem sempre o livre-arbítrio, o pro-
gresso por vezes se
lhe torna lento, e tenaz a sua obstina-
ção no mal. Nesse
estado podem persistir anos e séculos,
vindo por fim um
momento em que a sua contumácia se
modifica pelo
sofrimento, e, a despeito da sua jactância,
reconhece o poder
superior que o domina.
Então, desde que se
manifestam os primeiros vislum-
bres de arrependimento,
Deus lhe faz entrever a esperança.
Nem há Espírito
incapaz de nunca progredir, votado a eter-
na inferioridade, o
que seria a negação da lei de progresso,
que providencialmente
rege todas as criaturas.
20º —
Quaisquer que sejam a inferioridade e perversidade
dos Espíritos,
Deus
jamais os abandona.
Todos têm seu
anjo de guarda (guia)
que por eles vela, na persuasão de
suscitar-lhes bons
pensamentos, desejos de progredir e,
bem assim, de
espreitar-lhes os movimentos da alma, com
o que se esforçam por
reparar em uma nova existência o
mal que praticaram.
Contudo, essa interferência do guia faz-se quase sempre ocultamente e de modo a
não haver
pressão, pois que o
Espírito deve progredir por
impulso da
própria vontade,
nunca por qualquer
sujeição.
O bem e o mal são
praticados em virtude do livre-arbí-
trio, e,
conseguintemente, sem que o Espírito seja
fatalmente impelido
para um ou outro sentido.
Persistindo no mal,
sofrerá as conseqüências por tan-
to tempo quanto durar
a persistência, do mesmo modo que,
dando um passo para o bem,
sente imediatamente
benéficos efeitos.
OBSERVAÇÃO
— Erro seria supor que, por efeito da lei de
progresso,
a certeza de atingir cedo ou tarde a per feição e a felici-
dade
pode estimular a perseverança no mal, sob a condição do
ulterior
arrependimento: primeiro porque o Espírito inferior não
se
apercebe do termo da sua situação; e segundo porque, sendo
ele
o autor da própria infelicidade, acaba por compreender que de
si
depende o fazê-la cessar; que por tanto tempo quanto perseve-
rar
no mal será infeliz; finalmente, que o sofrimento será intérmino
se
ele próprio não lhe der fim. Seria, pois, um cálculo negativo,
cujas
conseqüências o Espírito seria o primeiro a reconhecer. Com
o
dogma das penas irremissíveis é que se verifica, precisamente,
tal
hipótese, visto como é para sempre interdita qualquer idéia de
esperança,
não tendo, pois o homem interesse em converter-se ao
bem,
para ele sem proveito.
Diante
dessa lei, cai também a objeção extraída da pres-
ciência
divina, pois Deus, criando uma alma, sabe efetivamente
se
em virtude do seu livre arbítrio, ela tomará a boa ou a má
estrada;
sabe que ela será punida se fizer o mal; mas sabe
também
que tal castigo temporário
é
um meio de fazê-la compreender
o
erro, cedo ou tarde entrando no bom caminho.
Pela
doutrina das penas eternas conclui-se que
Deus
sabe que essa alma falirá
e,
portanto, que está previamente condenada a torturas infinitas.
21º —
A responsabilidade das faltas é toda pessoal, nin-
guém sofre por erros
alheios, salvo se a eles deu origem,
quer provocando-os
pelo exemplo, quer não os impedindo
quando poderia
fazê-lo.
Assim, o suicida é
sempre punido; mas aquele que por
maldade impele outro a
cometê-lo, esse sofre ainda maior pena.
22º —
Conquanto infinita a diversidade de punições, algu-
mas há inerentes à
inferioridade dos Espíritos, e cujas con-
seqüências, salvo
pormenores,
são pouco mais ou
menos idênticas.
A punição mais imediata,
sobretudo entre os que se
acham ligados à vida
material em detrimento do progresso
espiritual, faz-se
sentir pela lentidão do desprendimento
da alma; nas angústias
que acompanham a morte e o des-
pertar na outra vida,
na conseqüente perturbação que pode
Dilatar-se por meses e
anos.
Naqueles
que, ao contrário, têm pura a consciência e
na
vida material já se acham identificados com a vida espi-
ritual,
o trespasse é rápido, sem abalos, quase nula a
turbação
de um pacífico despertar.
23º
—
Um fenômeno mui freqüente entre os Espíritos de
certa
inferioridade moral é o acreditarem-se ainda vivos,
podendo
esta ilusão prolongar-se por muitos anos, duran-
te
os quais eles experimentarão todas as necessidades,
todos
os tormentos e perplexidades da vida.
24º
—
Para o criminoso, a presença incessante das vítimas
e
das circunstâncias do crime é um suplício cruel.
25º
—
Espíritos há mergulhados em densa treva; outros se
encontram
em absoluto insulamento no Espaço, atormen-
tados
pela ignorância da própria posição, como da sorte
que
os aguarda. Os mais culpados padecem torturas muito
mais
pungentes por não lhes entreverem um termo.
Alguns
são privados de ver os seres queridos, e todos,
geralmente,
passam com intensidade relativa pelos males,
pelas
dores e privações que a outrem ocasionaram. Esta
situação
perdura até que o desejo de reparação pelo arrependimento
lhes
traga a calma para entrever a possibilidade
de
por eles mesmos pôr um termo à sua situação.
26º
—
Para o orgulhoso relegado às classes inferiores, é
suplício
ver acima dele colocados, cheios de glória e bem-
-estar,
os que na Terra desprezara. O hipócrita vê desven-
dados,
penetrados e lidos por todo o mundo os seus mais
secretos
pensamentos, sem que os possa ocultar ou dissi-
mular;
o sátiro, na impotência de os saciar, tem na exalta-
ção
dos bestiais desejos o mais atroz tormento; vê o avaro o
esbanjamento
inevitável do seu tesouro, enquanto que o
egoísta,
desamparado de todos, sofre as conseqüências da
sua
atitude terrena; nem a sede nem a fome lhe serão miti-
gadas,
nem amigas mãos se lhe estenderão às suas mãos
súplices;
e, pois que em vida só de si cuidara, ninguém dele
se
compadecerá na morte.
27º
—
O único meio de evitar ou atenuar as conseqüências
futuras
de uma falta está no repará-la, desfazendo-a no presente. Quanto mais nos
demorarmos na reparação de
uma
falta, tanto mais penosas e rigorosas serão, no futuro,
as
suas conseqüências.
28º —
A situação do Espírito, no mundo espiritual, não é
outra senão a por si
mesmo preparada na vida corpórea.
Mais tarde, outra
encarnação se lhe faculta para no-
vas provas de expiação
e reparação, com maior ou menor
proveito, dependentes
do seu livre-arbítrio; e se ele não se
corrige, terá sempre
uma missão a recomeçar, sempre e
sempre mais acerba, de
sorte que pode dizer-se que
aquele que muito sofre
na Terra,
muito tinha a expiar;
e os que gozam uma felicidade aparente,
em que pesem aos seus
vícios e inutilidades,
pagá-la-ão mui caro em
ulterior existência.
Nesse sentido foi que
Jesus disse:
—“Bem aventurados os
aflitos, porque serão consolados”.
(O Evangelho segundo o
Espiritismo, cap. V.)
29º —
Certo, a misericórdia de Deus é infinita, mas não é
cega. O culpado que
ela atinge não fica exonerado, e, en-
quanto não houver
satisfeito à justiça, sofre a consequên-
cia dos seus erros.
Por infinita misericórdia, devemos ter
que Deus não é
inexorável, deixando sempre viável o cami-
nho da redenção.
30º —
Subordinadas ao arrependimento e reparação de-
pendentes da vontade
humana, as penas, por temporárias,
constituem
concomitantemente
castigos e remédios auxiliares
à cura do mal.
Os Espíritos, em
prova, não são, pois,
quais galés por certo
tempo condenados, mas como doen-
tes de hospital
sofrendo de moléstias resultantes da própria incúria, a compadecerem-se com
meios curativos mais
ou menos dolorosos que
a moléstia reclama, esperando alta
tanto mais pronta
quanto mais estritamente observadas as
prescrições do
solícito médico assistente. Se os doentes,
pelo próprio descuido
de si mesmos, prolongam a enfermi-
dade, o médico nada
tem que ver com isso.
31º —
Às penas que o Espírito experimenta na vida espiri-
tual ajuntam-se as da
vida corpórea, que são conseqüentes
às imperfeições do
homem, às suas paixões, ao mau uso
das suas faculdades e
à expiação de presentes e passadas
faltas. É na vida
corpórea que o Espírito repara o mal de
anteriores
existências, pondo em prática resoluções toma-
das na vida
espiritual. Assim se explicam as misérias e vi-
cissitudes mundanas
que, à primeira vista, parecem não
ter razão de ser.
Justas são elas, no entanto, como espólio
do passado — herança
que serve à nossa romagem para a
perfectibilidade.
32º —
Deus, diz-se, não daria prova maior de amor às suas
criaturas, criando-as
infalíveis e, por conseguinte, isentas
dos vícios inerentes à
imperfeição? Para tanto fora preciso
que Ele criasse seres
perfeitos, nada mais tendo a adquirir,
quer em conhecimentos,
quer em moralidade. Certo, po-
rém, Deus poderia
fazê-lo, e se o não fez é que em sua
sabedoria quis que o
progresso constituísse lei geral. Os
homens são
imperfeitos, e, como tais,
sujeitos a vicissitudes
mais ou menos penosas.
E, pois que o fato
existe, devemos aceitá-lo.
Inferir dele que Deus
não é bom nem justo,
fora insensata revolta
contra a lei.
Injustiça haveria,
sim, na criação de seres privilegia-
dos, mais ou menos
favorecidos, fruindo gozos que outros
porventura não atingem
senão pelo trabalho, ou que ja-
mais pudessem atingir.
Ao contrário, a justiça divina pa-
tenteia-se na
igualdade absoluta que preside à criação dos
Espíritos; todos têm o
mesmo ponto de partida e nenhum
se distingue em sua
formação por melhor aquinhoado; ne-
nhum cuja marcha
progressiva se facilite por exceção: os
que chegam ao fim têm
passado, como quaisquer outros,
pelas fases de
inferioridade e respectivas provas.
Isto posto, nada mais
justo que a liberdade de ação a
cada qual concedida. O
caminho da felicidade a todos se
abre amplo, como a
todos as mesmas condições para atingi-la.
A lei, gravada em
todas as consciências, a todos é
ensinada.
Deus fez da felicidade
o prêmio do trabalho e não
do favoritismo,
para que cada qual
tivesse seu mérito.
Todos somos livres no
trabalho do próprio progresso, e
o que muito e depressa
trabalha, mais cedo recebe a re-
compensa. O romeiro
que se desgarra, ou em caminho per-
de tempo, retarda a
marcha e não pode queixar-se senão
de si mesmo.
O bem como o mal são
voluntários e facultativos:
livre, o homem não é
fatalmente impelido para um nem
para outro.
33º —
Em que pese à diversidade de gêneros e graus de
sofrimentos dos
Espíritos imperfeitos, o código penal da
vida futura pode
resumir-se nestes três princípios:
1º —
O sofrimento é inerente à imperfeição.
2º —
Toda imperfeição, assim como toda falta dela
promanada traz consigo
o próprio castigo nas consequên-
cias naturais e
inevitáveis: assim, a moléstia pune os ex-
cessos e da ociosidade
nasce o tédio, sem que haja mister
de uma condenação
especial para cada falta ou indivíduo.
3º —
Podendo todo homem libertar-se das imperfeições por
efeito da vontade,
pode igualmente anular os males conse-
cutivos e assegurar a
futura felicidade.
A cada um segundo as
suas obras, no Céu como na
Terra: — tal é a lei
da Justiça Divina.
Livro O Céu E O
Inferno (Allan Kardec)